Tipos de Processos de Produção e suas Variáveis
Ao analisar uma indústria, um banco ou uma clínica hospitalar com intuito de aperfeiçoar o desempenho de suas operações, cabe antes se questionar sobre quais são as variáveis mais relevantes para a análise e tomada de decisão. Este post trás classificações para processos de produção de bens e apresenta discute as variáveis amplamente reconhecidas na literatura e na prática; sendo concluído com uma tipologia sobre sistemas de produção (ou transformação) muito apropriada para entender os reflexos das tecnologias na condição competitiva de uma organização.
Visão inicial sobre processos
Sabemos que para dispor de bens e serviços disponíveis, os mesmos tiveram que ser elaborados a partir de algum tipo de processo em sua produção. Um processo pode ser entendido como um grupo de atividades produzidas em sequência gradativa e que produz um produto ou serviço, portanto, possui um começo, um meio e um fim. Porém, é importante ressaltar que este “começo” não necessariamente é algo material, podendo ser uma informação, por exemplo.
É por meio dos processos que as empresas exercem suas funções, conquistam seus respectivos objetivos e gerenciam suas atividades de maneira eficaz. Segundo Baldam, Valle e Rozenfeld (2014, p. 3) “o propósito de qualquer processo é transformar uma entrada qualquer em uma ou mais saídas, com valor econômico ou social”.
Com intuito de estabelecer com maior clareza o que é um processo, listam-se abaixo suas características genéricas:
Início, fim e objetivos definidos;
Clareza quanto ao que é transformado na sua execução;
Definir como ou quando uma atividade ocorre;
Resultado específico;
Listar os recursos utilizados para a execução da atividade;
Agregar valor para o destinatário do processo;
Ser devidamente documentado;
Ser mensurável; e
Permitir o acompanhamento ao longo da execução.
Estas características devem ser todas passíveis de serem identificadas nos processos, independente de sua contribuição dentro da cadeia de valor; podendo estes processos estarem ligados diretamente aos bens e serviços da organização (finalísticos, primários), ou servindo de apoio para processos finalísticos (apoio ou suporte), ou mesmo, voltados ao planejamento e gestão da organização (gestão).
Os processos de transformação e suas dimensões
Independentemente se o processo é direcionado para a produção de um produto ou serviço, podemos compreender e organizar as suas atividades a partir de quatro dimensões fundamentais:
Volume: pode ser muito alto, como uma fábrica de enlatados, onde há um alto grau de repetição das tarefas, ou muito baixo, como o serviço de engenheiros e consultores de grandes projetos, nos quais é baixa ou nula a repetição das tarefas;
Variedade: pode ser muito baixa, como a de uma empresa fornecedora de água tratada, ou muito alta, como a variedade de atividades que estão ligadas à prática dos arquitetos, por exemplo, que deve ser flexível e customizável.
Variação da demanda: contrapõe mercados de alta variação de demanda (podendo ser instável – como, por exemplo, o consumo de sorvetes, que cresce muito durante no período de verão e fica bastante reduzido durante o inverno) com negócios de demanda estável (por exemplo, um hotel na frente de uma rodoviária movimentada);
Visibilidade (contato com o consumidor): trata do quão revelado para os clientes é o processo. Operações de alto contato (ex.: varejo de material de construção, ou de lojas de operadoras de serviços de telecomunicação mobile) exigem colaboradores com excelentes habilidades de interação com o cliente. Operações de baixo contato (ex.: vendas por catálogo/ web, editora de livro) exigem colaboradores menos qualificados e podem ter alta taxa de utilização. Visibilidade baixa tolera prazos de entrega mais longos, podendo trabalhar com menor estoque, apostando – inclusive – em cadeias de suprimentos mais reativas.
Levando em consideração as quatro dimensões de volume, variedade, variabilidade e visibilidade, que também podemos chamar de “4Vs”, precisamos nos perguntar: como utilizar melhor os vários modelos de processos? Para responder a essa pergunta, alguns aspectos devem ser levados em consideração, dentre eles, pode-se destacar:
o tipo de processo de transformação utilizado;
as características dos outputs, ou saídas geradas pelos processos de transformação;
a estratégia competitiva da empresa para a qual a função de produção deve contribuir através da estratégia de operações e de sua execução.
Os processos que transformam inputs em outputs podem ser classificados em 5 diferentes tipos para o caso de produção de bens. Estes processos devem ser aderentes aos 4V´s, dimensões que caracterizam o binômio mercado/ processo, gerando um conjunto de decisões e implicações próprias de cada tipo de processo.
Processos de manufatura
É comum classificar os processos de manufatura em 4 tipos, com características específicas, sobretudo em relação ao binômio volume/ variedade de produtos, conforme figura 1. Contudo, é preciso ressaltar que esses processos não se excluem; pois na prática as empresas podem apresentar em seus processos produtivos características de mistas. A tipologia abaixo aparece em volume de produção crescente e variedade decrescente (SLACK, N.; CHAMBERS, S.; JOHNSTON, R., 2002, p. 129):
de projeto;
de jobbing;
em lotes ou bateladas;
em massa;
contínuos.
Figura 1: Tipos de Processo de Manufatura
Fonte: Slack, N.; Chambers, S.; Johnston, R. (2002, p. 129), adaptado
Há que se mencionar que normalmente, as dimensões de volume e variedade são dependentes entre si. Geralmente, as operações de baixo volume têm alta variedade de produtos, já os serviços e operações de alto volume têm baixa variedade de produtos e serviços. Conheça, com mais detalhes, os tipos de processos de manufatura:
Processos de projeto
Os processos de projeto são os que trabalham com produtos ou serviços discretos, é comum que sejam muito customizados e levem um tempo maior para serem finalizados, devido à característica e adequação necessárias para esse tipo de produto ou serviço.
A essência de processos de projetos é que cada trabalho tem início, meio e fim bem definidos, como sendo uma forte característica dos projetos.
Podemos citar, também, mais algumas características, como:
alta flexibilidade de mix;
alta qualificação de mão de obra;
facilidade de supervisão do produto final;
os recursos devem ser movidos até o local onde o produto será construído;
baixo volume de produção.
Como exemplo, pode-se citar: a construção de navios, a maioria das atividades das companhias de construção, a produção de filmes, grandes operações de fabricação como de transformadores e a instalação de um grande sistema de computadores.
Processos de jobbing
Os processos de jobbing produzem mais itens, usualmente menores do que os processos de projeto, mas, como acontece com os processos de projeto, o grau de repetição é baixo. A maior parte dos trabalhos, provavelmente será única. Para Slack et al. (2009), enquanto em processos de projeto, cada produto tem recursos dedicados mais ou menos, exclusivamente, a ele, em processos de jobbing, cada produto deve compartilhar os recursos de operação com diversos outros. Os recursos de produção processam uma série de produtos, mas, embora todos os produtos exijam o mesmo tipo de atenção, diferirão entre si pelas necessidades específicas.
Os processos de jobbing possuem as seguintes características:
alta flexibilidade de mix;
alta qualificação de mão de obra;
facilidade de supervisão do produto final;
compartilhamento de recursos na produção;
itens, usualmente, menores do que os de processo de projeto.
Podemos citar como exemplos de jobbing: engenheiros especializados, mestres ferramenteiros, restauradores de móveis e alfaiates que trabalham por encomenda.
Processos em lotes ou bateladas
Como já é sinalizado pelo nome, este processo faz vários produtos de uma só vez. Sendo assim, cada etapa da operação tem períodos em que se repetem, pelo menos, enquanto o “lote” ou a “batelada” está sendo processado.
Os termos “lotes” e “bateladas”, apesar de comumente confundidos, não são sinônimos. Os lotes estão associados a bens físicos que podem ser quantificados, separados e identificados, facilmente. Temos como exemplo, a produção de lotes de biscoitos. A produção de cada período de tempo (turno, dia, mês, etc.) pode ser diferenciada.
Já, a produção de uma batelada de tinta (estamos falando ainda do líquido e não das latas) não pode ser diferenciada. O volume de tinta produzido no primeiro turno de trabalho não se separa daquele volume produzido no segundo ou terceiro turno, ou, até mesmo, no dia seguinte.
Os processos em lotes possuem as seguintes características:
média flexibilidade de mix;
divisão de atividades em operações que irão compor a produção final;
média qualificação de mão de obra;
supervisão da produção mais complexa;
balanceamento de tempo de produção;
prazos, normalmente, mais curtos.
O processo por lote tem como exemplos: a manufatura de máquinas-ferramenta, autopeças, cerâmicas, alimentos congelados especiais, roupas e calçados.
Processos de produção em massa
Processos de produção em massa são os que produzem bens em alto volume e variedade, relativamente, estreita. Essa característica se apresenta em termos dos aspectos fundamentais do projeto do produto.
A produção em massa possui características como:
baixa flexibilidade de mix;
divisão de atividades em operações que irão compor a produção final;
produtos padronizados;
baixa qualificação de mão de obra;
necessidade de controle de qualidade através de testes e indicadores percentuais;
supervisão da produção mais complexa;
bom balanceamento de tempo de produção;
baixo tempo de produção de item.
Podemos citar como exemplos de produção em massa: as montadoras de automóveis, manufaturas de eletrodomésticos e indústria alimentícia.
Processos contínuos
Processos contínuos situam-se a um passo além dos processos de produção em massa pelo fato de operarem em volumes, ainda maiores e, em geral, têm variedade ainda mais baixa. São conhecidos por não pararem de produzir nunca, normalmente, operam por um período de tempo muito longo e, literalmente, contínuo, no sentido de que os produtos são inseparáveis e produzidos em um fluxo ininterruptos.
Os processos contínuos possuem as seguintes características:
alto volume e facilidade de ser movido entre um processo e outro;
baixíssima flexibilidade;
produtos padronizados;
baixa qualificação de mão de obra;
necessidade de controle de qualidade por meio de testes e indicadores percentuais;
supervisão da produção mais complexa.
Neste caso, pode-se citar como exemplos dos processos contínuos: as petroquímicas, siderúrgicas, fábricas de papel, de automóveis, manufaturas de eletrodomésticos e indústria alimentícia.
Processos de Serviços: Volume X Variedade
Além dos processos em manufatura apresentados, temos, também, os processos em serviços, possuem uma relação direta com as variáveis “Volume” e “Variedade”, conforme a figura 2. Os processos de produção de serviços estão abaixo relacionados e descritos (SLACK, N.; CHAMBERS, S.; JOHNSTON, R., 2002, p. 131):
serviços profissionais;
lojas de serviços;
serviços em massa.
Figura 2: Tipos de processos de serviço
Fonte: Slack, N.; Chambers, S.; Johnston, R. (2002, p. 131), adaptado
Serviços profissionais
Os serviços profissionais apresentam um baixo volume e alta variedade devido ao seu alto nível de customização. Eles são adaptados para atender às necessidades individuais dos clientes, por isso, os clientes despendem de um tempo considerável no processo do serviço. Os serviços profissionais são baseados em pessoas, com ênfase no processo. Pode-se citar como exemplos de serviços profissionais: consultores, arquitetos, advogados, cirurgiões, etc.
Lojas de serviço
O serviço é proporcionado por meio de combinações de atividades dos escritórios da linha de frente e da retaguarda. As lojas de serviços estão entre os serviços profissionais e os serviços de massa, pois se caracterizam por níveis de contato com o consumidor, customização, quantidade de clientes e livre-arbítrio nas decisões. Como exemplos de lojas de serviço têm-se: agências de viagem, escolas e corretoras de seguros.
Serviços de massa
Neste tipo de processo de serviço o nível de personalização é muito baixo ou quase nulo, assim como a interação do cliente com o front office, normalmente automatizado. No back office prevalece a divisão do trabalho e a obediência à padrões de trabalho pré-definidos com intuito de processar grande volume de transações com confiabilidade. Neste tipo de processo de serviço podem ser enquadrados: serviços e aplicativos de reservas de eventos, TV à cabo, supermercado, atendimento em concessionária de energia elétrica.
A Flexibilidade e complexidade técnica dos processos de produção
Ao observar os processos de produção de bens e serviços Kim e Lee (1993) propuseram uma tipologia que destaca os aspectos técnicos destes processos, segmentando-os pelo cruzamento dos seus níveis de flexibilidade e complexidade. Sendo, assim, surgem os seguintes tipos de sistemas de produção: sistema intermitente de produção, sistema concorrente de produção, sistema degenerado de produção e o sistema contínuo de produção, conforme a figura 3.
Figura 3: Tipologia de sistemas de produção
Fonte: Kim, y., & Lee, J. (1993)
Sistema intermitente
Produz conforme as especificações do cliente, sendo os preferidos de empresas cuja prioridade competitiva é a flexibilidade. Seus roteiros, equipamentos e equipe são flexíveis, tanto em termos de volume, quanto de variedade de produtos. Não utilizam recursos de maneira contínua, portanto, seu rateio de custo e menos favorável do que outras situações.
Sistema concorrente
Nestes sistemas é comum e disseminado o uso de tecnologias complexas no que tange a conhecimento, automação e integração; estando aptos a produzir pequenos volumes e uma grande variedade. Estes sistemas são pioneiros no uso de novas tecnologias como Manufatura Assistida por Computador (CAM - computer aided manufacturing), engenharia simultânea, internet das coisas (IoT - Internet of Things), manufatura responsiva, de forma a incorporarem os avanços da Manufatura 4.0 com maior rapidez. Um grande trunfo competitivo deste tipo de sistema é sua capacidade de atender a prioridade competitiva da Flexibilidade com eficiência operacional.
Sistema degenerado
Representa sistemas de produção de bens e serviços pouco competitivos, pois não adotam tecnologias significativas em seus processos, investem pouco, além de possuírem gestão do trabalho e de custos pouco elaboradas.
Sistema contínuo
Neste caso, o foco é a produção de grandes volumes, sendo indicado para situações com prioridade competitivas de custos, pois a utilização dos ativos é contínua. Também existe aqui, um campo fértil para automação e integração dos sistemas com os recursos transformadores.
Considerações Finais
Compreender as características impostas aos sistemas de produção de bens e serviços por aspectos internos e externos é algo fundamental para avaliar a adequação destes sistemas ao contexto ambiental da organização, ou, no caso de novas instalações, para realizar o projeto do sistema de produção da melhor forma.
Apesar da impossibilidade prática de considerar todas as variáveis que influenciam as tipologias dos processos e sistemas de produção, a simplificação obtida pela modelagem favorece o melhor entendimento daquelas que são essenciais. Neste sentido, abordou-se: volume, variedade, variação da demanda e visibilidade, num primeiro momento e depois a flexibilidade técnica e a complexidade técnica.
Foi proposital a reflexão – ainda que superficial – sobre as prioridades competitivas e cabe destacar que a evolução tecnológica permite forçar a quebra de algumas referências existentes em determinados setores, reposicionando-os em sua capacidade de resposta aos 4 V´s e movendo-os nos quadrantes da figura 3. Assim como já foi possível revolucionar a cadeia de valor de tintas, com máquinas, que preparam uma infinidade de cores na própria loja, eliminando assim, a necessidade de produzir e armazenar previamente as tintas já prontas das fábricas; uma verdadeira revolução está ocorrendo sob a alcunha de Manufatura 4.0. Esta será muito mais profunda e ampla, pois alia robótica, internet, processamento de um volume de dados gigantesco e uso da inteligência artificial, e promete tornar a produção de bens e serviços mais flexível, eficiente, rápida, sem comprometer a qualidade. Certamente muitas empresas migrarão para “sistemas de produção concorrentes” nesta grande revolução.
Referências
BALDAM, Roquemar; VALLE, Rogério; Rozenfeld, Henrique. Gerenciamento de Processos de Negócio BPM: uma referência para implantação prática. 1ª. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014.
KIM,Y.; LEE, J. Manufacturing strategy and production systems: an integrated framework . Journal of Operations Management,[S.I.] v. 11, p. 3-15. 1993. Disponível em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/027269639390029O
SLACK, Niguel; CHAMBERS, Stuart.; JOHNSTON, Robert. Administração da Produção. 2ª. ed. São Paulo: Atlas, 2002