Milk Run de Abastecimento - conectando-se com os fornecedores Just-in-Time
Desde que o a filosofia Just-in-Time se difundiu no ocidente, empresas tem procurado adotar seus métodos e ferramentas com o propósito de disponibilizar o produto certo, no momento certo no seu local de consumo. Estes preceitos em muito se assemelham a missão da logística e foram empregados para estabelecer uma nova forma de realizar a logística de transportes de abastecimento, com destaque para empresas montadoras, denominado: Milk Run. Os objetivos, vantagens, desvantagens e restrições do Milk Run de Abastecimento são objeto deste artigo.
Origem de uma nova forma de logística de abastecimento
Considere a seguinte situação bastante comum em diversas empresas: seus fornecedores entregam grandes cargas de produto de uma a quatro vezes por mês, gerando picos de estoque e de esforço de recebimento. Os estoques dos itens utilizados como componentes ou matérias-primas nas fábricas acabam ficando desbalanceados e os almoxarifados com grandes dificuldades de organização.
Provavelmente você conhece algumas empresas em condições similares e deve estar familiarizado com os efeitos negativos decorrentes deste método de logística de abastecimento. Neste caso, com intuito de reduzir custos de pedido e de transportes, os fornecedores fazem entregas diretas aos seus clientes ou roteirizam suas entregas, usando um mesmo veículo. Neste último caso, as quantidades entregues são menores, é verdade, mas permanece a incerteza da data de entrega; fato que estimula o aumento dos estoques de segurança nos clientes.
No entanto, com a disseminação da filosofia Just-in-Time (JIT), criada por Taiichi Ono, na Toyota Motor Company, popularizou-se uma nova forma de conectar o abastecimento de suprimentos dos fornecedores às linhas ou células de produção. O JIT significa produzir no tempo certo de atender as necessidades de produção, ou seja, colocar o componente certo, no lugar certo e na hora certa de produzir. Desta forma, os estoques dos fornecedores deveriam chegar aos postos de produção do cliente, próximo ao momento uso; mas para isso eles teriam que ser reduzidos e entregues numa frequência maior.
A inspiração para estabelecer uma nova abordagem de logística de abastecimento que estivesse alinhada com a filosofia JIT, veio da prosaica forma como empresas ocidentais de pasteurização e beneficiamento de leite faziam a coleta do leite nas fazendas. Nestes casos, o beneficiador coletava diariamente o leite produzido pelas fazendas para que não estragasse e fazia isso dentro de um roteiro previamente estabelecido e com horários que se repetiam dia após dia. Surge então o Milk Run, ou caminho do leite, termo que passou a designar um sistema que envolve um conjunto de métodos, procedimentos e técnicas que é objeto deste texto.
Entendendo o sistema Milk Run
O sistema Milk Run de abastecimento (ver figura 1) envolve múltiplos fornecedores e um cliente, que são conectados por veículos de transporte rodoviário (via de regra); sendo um veículo por rota. Neste sistema, a atividade de coleta é programada e combina as distâncias, as quantidades de materiais supridos e as características dos materiais supridos.
Os materiais a serem coletados em cada ciclo são previamente planejados pelo cliente e estão conectados com seu plano de produção, sendo a necessidade repassada aos fornecedores através de sinais de puxada.
Outro aspecto importante para o funcionamento do Milk Run de forma otimizada é o uso de embalagens que possam ser utilizadas diretamente no ambiente de produção do cliente e reutilizadas pelo fornecedor. Desta forma, veículo – a cada ciclo – deixa nos fornecedores suas embalagens vazias, que em alguns casos pode funcionar como sinal de puxada para o ciclo seguinte. Esta medida não é imprescindível para o funcionamento do sistema, mas é uma técnica que apresenta benefícios para o abastecimento da linha de produção, que será objeto de outro post do Blog da EXCENT.
Figura 1: Diagrama de um sistema Milk Run típico
Fonte: Voltolini, E.
Abaixo são listadas as principais características de um sistema Milk Run de Abastecimento:
as cargas são mistas, pois envolvem diversos fornecedores;
normalmente o veículo não é preenchido completamente em sua capacidade;
exige coordenação maior por parte do cliente, pois não existem as “sobras” de estoque para suprir trocas de programação;
frete tende a ser pago pelo cliente (FOB, free-on-board);
execução do transporte é realizada pelo cliente ou por operador logístico, contratado por ele;
é necessária grande regularidade das operações (estabilidade e padronização dos processos);
existência de janelas fixas de entrega e coleta;
as atividades de carga e descarga devem ser realizadas rapidamente em todas as paradas;
unitização personalizada da carga segundo padrão do cliente, se a mesma for entregue na linha de produção;
normalmente as quantidades e os itens são puxados pelo consumo dos estoques existentes nos supermercados do cliente.
Vantagens e desvantagens
O objetivo principal da adoção de um sistema de Milk Run de Abastecimento é o de reduzir os custos logísticos de abastecimento via economias de escala e racionalização das rotas, bem como aumentar a confiabilidade do processo como um todo. Contudo, o Milk Run possibilita um bom ambiente para a introdução e disseminação do Just-in-Time, por também ter como uma de suas características a redução de estoques em toda a cadeia de suprimentos.
O Milk Run de Abastecimento traz consigo as seguintes vantagens:
redução de estoques, de espaço e de contentores, devido ao aumento da frequência das entregas;
melhoria no fluxo de caixa, dada a redução do nível de estoques;
redução da obsolescência (e problemas com prazo de validade) dos produtos;
maior flexibilidade para atender pequenas flutuações de demanda;
nivelamento da carga de trabalho de recebimento, evitando desgaste de pessoal e horas-extras;
aumento da previsibilidade dos lead times de reposição;
maior comunicação com fornecedores;
adoção de embalagens padronizadas e reutilizáveis e com isto redução de custo;
agilidade no carregamento e descarregamento.
Como principais desvantagens deste sistema, pode-se citar:
requer sincronização entre fornecimento e demanda;
exige bom nível de relacionamento com os fornecedores e contatos diários;
mudanças na programação do cliente geram perda de credibilidade nos fornecedores;
maior custo para o cliente, devido a frete extra cobrado que ocorre quando a montadora solicita quantidades não planejadas;
risco maior de parada da produção por conta da falta de material;
maior possibilidade de desgaste entre as partes, incluindo transportador, na ocorrência de atrasos.
O Milk Run é um sistema logístico com muito potencial de ganhos, pois se bem planejado permite conciliar dois custos, que em operações convencionais são antagônicos: custo de transportes e custos de estoques. Isto decorre do fato de que em rotas com fornecedores próximos e com quantidades diárias, que não excedem um veículo por rota, é possível ter menos veículos envolvidos e maior frequência do que no formato de entrega direta do fornecedor.
Considerações Finais
Existe um ponto importante em relação ao cenário apresentado no início deste artigo que deve ficar claro: o sistema Milk Run não pode ser aplicado para todos os fornecedores e itens comprados. Apesar das qualidades e vantagens apresentadas, este sistema não é uma panacéia para minimizar e balancear todos os estoques comprados. Há que se observar o atendimento de todas as características para viabilizar uma boa operação e se devem observar as três condições restritivas PPP (Planejamento, Padronização e Proximidade).
O planejamento é fundamental na concepção do sistema e para garantir que a produção e os estoques de cada integrante das rotas estejam sincronizados e com alta confiabilidade. Também devem ser excluídos do sistema os itens com demandas esporádicas e aqueles que possuem volumes altos, demandando algumas cargas diárias; sendo recomendada outra configuração de transporte.
A padronização deve ser aplicada amplamente, pois não há espaço para improvisos em sistemas com características JIT; sendo assim instruções de trabalho (ITs), veículos, embalagens, horários, locais de parada, níveis de oscilação do consumo, códigos e inclusive a definição sobre como tratar atrasos dos fornecedores precisam estar descritos e padronizados.
Quanto a proximidade, é algo que vai definir quais fornecedores podem fazer parte das rotas milk run críticas e com estoques mais enxutos. Apesar de existirem operações distantes de coleta, normalmente estas centralizam estoques num ponto e os trazem até o cliente; mas cabe lembrar que na essência, as rotas devem ser concluídas no tempo do turno do seu motorista e que, quanto maior a distância, maior a dificuldade de recuperar-se de algum imprevisto.
Por fim, a adoção de um sistema Milk Run de Abastecimento tem uma condição favorável em empresas com regularidade em sua produção e variedade média-baixa de componentes junto aos seus fornecedores. Nestes casos, todas as vantagens são potencializadas e podem ser integradas em projetos de abastecimento de linha de produção que adotem preceitos semelhantes. Se tiver interessado em implantar este sistema e precisar de ajuda nesta jornada, conte com a EXCENT Consultoria.
Referências
KLIPPERL, Marcelo; ANTUNES JUNIOR, José Antonio Valle; VACCARO, Guilherme Luís Roehe. Matriz de posicionamento estratégico de materiais: conceito, método e estudo de caso. Gestão da Produção, [S.I], v. 14, n. 1, p. 181-192, jan-abr. 2007.
MOURA, Delmo Alves; BOTTER, Rui Carlos. Caracterização do sistema de coleta programada de peças Milk Run. RAE-eletrônica, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 1-14, jan./jun. 2002.
OHNO, T. Sistema Toyota de produção: além da produção em larga escala. Porto Alegre: Bookman, 1997.